Nuno Moura e a sua Douda Correria
Fotografia: Vitorino Coragem

O Manta de Retalhos esteve à conversa com o Nuno Moura, escritor e editor da Douda Correria. Um dos verdadeiros apaixonados pela Literatura, pelos poemas, pela feitura dos livros e por vê-los chegar aos leitores. Não põe lenha na fogueira da indústria, mas sim na do prazer da leitura.

Afável, de olhos ternos e disponível a quem lhe queira falar de livrinhos, Nuno Moura recebeu o Manta em sua casa, o escritório da Douda Correria, bem no coração de Lisboa. Livros empilhados, revistas e recortes quase nos braços da tesoura espalhados pela mesa do último andar, o seu projecto em progresso de páginas abertas à espera de outro olhar transformador para que se possa reinventar e ter pernas para saltar.

A Douda Correria, que também integra a Mia Soave, é editora de eleição do Manta.

Os seus livros podem ser comprados em mãos ou chegar pelo correio amarrados por cordel. Em cada livro nota-se a dedicação, a começar pelas capas, de onde parte o texto, passando pelas ilustrações ou grafismo. Ali, o género mais presente é a Poesia, muitas vezes em palavras simples que convidam toda a gente. Também os há para os mais miúdos e surpreendem a imaginação. Livrinhos cheios de beleza e de irreverência.

Manta de Retalhos – Como nasceu este teu percurso até à Douda Correria?

 Nuno Moura – Isso é uma longa história. Em termos de edição?

Manta de Retalhos – Em termos de edição e como escritor também, mas já lá iremos.

Nuno Moura – Se for a história da minha escrita, do meu processo de escrita isso aí já é mais longo, mas em termos de edição, o meu interesse pelos livros e pelo processo todo de edição começou a sério com o Vitor Silva Tavares, daí a &etc , quando eu editei o meu segundo livro que foi precisamente na &etc, o que era um marco na vida de um autor editar na &etc, que era a editora de referência.

Manta de Retalhos – Sim, claro.

Nuno Moura – Então, em termos de poesia era mesmo. E eu, por causa desse livro conheci o Vítor, ficámos amigos e eu segui muito o Vítor. Ia com ele às gráficas e comecei a aprender com ele. Portanto, o Vítor foi o meu mestre. E foi por aí. Isto foi em 1996, se não me engano.

Depois em 1997 ganhei uma bolsa de criação literária e era bastante dinheiro, na altura. E deu para guardar algum dinheiro e em 1998 começar a minha primeira aventura editorial, juntamente com a Helena Vieira e criámos a Mariposa Azual. A Mariposa Azual foi a minha primeira editora. Eu e a Helena editámos, em conjunto, 9 livros. Eu até criei um slogan quando saí da Mariposa: editámos 9 livros para sempre. Depois eu quis acabar com aquilo. Eu ia acabar, ia fechar a editora, mas a Helena quis continuar. Então, ficou ela com a Mariposa Azual.

Depois eu tive ali um período de mais ou menos 10 anos muito afastado de tudo, até geograficamente. Quando voltei a despertar para a edição, criei uma pequenina, uma coisinha, nem sequer era uma editora, era só uma ideia. Mas fizemos o primeiro Mia Soave. O Mia Soave é uma editorazinha que tem sempre um livro com um CD, porque eu sou um apaixonado por música, também, e pelo dizer da poesia em voz alta. Tentei juntar esses dois, a música e a palavra.

Fizemos, então, um primeiro Mia Soave. Eu não tinha dinheiro nessa altura. Foi uma edição paga por um amigo, pelo José Luís Costa, que também é autor da Douda, agora. E fizemos o livrinho do Alberto Pimenta com CD. Com poemas do Alberto Pimenta, mais antigos, cantados pela Ana Deus e com música do Alexandre Soares e outros músicos. E foi assim o Mia Soave. Fizemos esse primeiro e depois ainda fiz um segundo, um livro meu que se chama Prémio Nacional de Poesia, também tem um CD. Foi a minha mãe que pagou essa edição. O que me deu muito jeito porque durante uns tempos foi o meu ganha-pão diário, vender um. Conseguir vender um.

Quando me juntei com a Joana Bagulho, já vivemos há quatro anos, cinco anos quase, criámos outra aventura que é a Douda Correria que tem durado até hoje e continua. Já vamos em 75 livros, 75 títulos. Resumidamente é isso.

Manta de Retalhos – Que transformação, o que sentes naquilo que procuras ao longo desse processo? Se é que existe. Alguma transformação haverá sempre, porque fará parte do percurso, mas sentes que procuravas vozes diferentes no início do que procuras agora ou sentes que é todo um caminho?

Nuno Moura – A procura é idêntica, é sempre a mesma. Procuro é o texto, novos textos, novas vozes. É só isso. Desde a Mariposa Azual. Agora, quando eu tinha a Mariposa Azual e, curiosamente, foi quando tive mais dinheiro na vida, foi nessa altura, só editámos 9 livros e agora com muito menos dinheiro, já editámos 75. É porque eu aprendi alguma coisa neste percurso.

A procura das vozes é o essencial, mas o processo económico de pensamento, de funcionamento do mercado, o mini mercado que existe levou-me a pensar melhor as coisas e a fazer menos exemplares, por exemplo, a gerir as coisas de outra maneira e, assim, podermos chegar aqui e continuar a editar livrinhos e novas vozes, que é isso que eu quero.

Manta de Retalhos – E o que é para ti uma nova voz?

Nuno Moura – Nova voz é falar de alguma coisa que eu nunca tinha pensado.

Manta de Retalhos – Mas podem ser as mesmas coisas, normalmente são sempre as mesmas, não é?

Nuno Moura – Ah, sim, normalmente são sempre as mesmas. Desde o início dos tempos que falamos das mesmas coisas. Falamos da vida. Mas como se fala disso é que é a minha busca. A minha procura é essa.

Manta de Retalhos – Sabes que eu dou aulas de escrita criativa – e eu sei que tu não acreditas muito nessas coisas, mas já poderemos falar disso – mas, ainda assim, tenho uma questão, tenho muitos alunos a quem eu digo precisamente isso, que o importante é trazer uma nova perspectiva e eles ficam sempre com pontos de interrogação, mas o que é isso? Não deixa de ser uma ideia um pouco abstracta. O que é que dirias se estivesses numa aula destas ou numa palestra, de uma forma mais concreta? É difícil, querermos ou termos que transmitir a alguém que tem de trazer uma nova voz.

Nuno Moura – É difícil é conseguir isso. Quer dizer, não é difícil conseguir isso. Eu acho que toda a gente pode escrever e deve escrever o que quiser. Isso não interessa. Mas, há pessoas que têm interesse em publicar as suas coisas, porque há muita gente que escreve e não tem interesse ou tem interesse relativo ou não pensa nisso. Mas há pessoas que querem publicar os seus livros. Há um interesse. Se quer publicar é porque quer expor os seus textos. Se quer expor os seus textos pode fazê-lo de duas maneiras: pode fazer uma edição de autor, pode fazer um livrinho até em casa agrafado e dar aos amigos e pronto; ou pode entrar no processo normal do mercado das editoras e enviar o seu livrinho. Portanto, se tem esta apetência, se quer isto, tem que se saber minimamente o que é que já se escreveu, minimamente. O que é que os outros já escreveram?

Manta de Retalhos – Tem de ler, tem de trabalhar.

Nuno Moura – Tem de ler e esquecer essa ideia da inspiração, porque inspiração é trabalho. É a procura, a busca, o conhecimento, é ler, viver e depois, entrar no mercado se for para aí, para as editoras e depois tem de se confrontar com as editoras, com a opinião dos outros, mas isso da escrita é com cada um. Eu não tenho nenhuma fórmula.

Manta de Retalhos – Eu também acredito que depois há coisas que vêm com o olhar de cada um, podemos fazer, podemos construir, mas há vozes que são mais peculiares do que outras.

Nuno Moura – Até os marceneiros. Um faz um banquinho de uma maneira e o outro de outra. Um faz um banquinho e o outro… não sei, faz com o seu cunho pessoal. O seu cunho pessoal é a sua voz. Ele faz aquilo à sua maneira, como mais ninguém faz. Isso é difícil.

O meu primeiro livro, oh! É este livro aqui que eu ando a tapar. Ando a tapar os poemas. Porque é um livro que mostra tudo, mostra todas as influências. Não tem nada de mal, mas agora não gosto dele e estou a aproveitá-lo para fazer outra coisa, mas está lá tudo. E tem vários caminhos também, também tem coisas boas, tem ali os primeiros passos. Isso é giro. E à maneira que eu vou agora trabalhando em cima desses livros, vou-me reconciliando com alguns poemas, há alguns que já os estou a deixar destapados, não os estou a tapar. Mas está lá tudo à mostra, mas é terrível esse primeiro passo porque é um verdadeiro confronto. Confrontas-te, eh lá, tenho que ler mais ou tenho que procurar mais. Tenho que viver mais.

Manta de Retalhos – O meu filho também diz que para já não está interessado em publicar mais, porque diz que por agora precisa de amadurecer um bocadinho.

Nuno Moura – Sim, eu recebo muitos textos que são diários, não deixam de ser só diários, de pensamentos e coisas que, acho muito bem que se escrevam, que toda a gente escreva isso, mas depois não passa, há pessoas que é só aquilo.

Manta de Retalhos – São desabafos.

Nuno Moura – É muito pessoal, é pessoal demais, não passa para fora, fica só na esfera da pessoa, não dá para editar porque não tem novidade, não tem essa voz nova, aquilo não é nada de novo, já lemos aquilo até nas nossas próprias coisas.

Manta de Retalhos – E relativamente ao teu percurso enquanto escritor?

Nuno Moura – Foi um acaso, não sei bem. Já me fizeram essa pergunta muitas vezes e eu nunca sei responder com certeza. Sempre gostei de ler, primeira coisa; depois, desde aqueles poemas que às vezes nos pediam na escola.

Surgiu tarde, mas foi, talvez, por causa de um livro. Um livro que me abriu muito a cabeça e o pensamento, fez-me pensar, procurar mais fundo em mim, o que é eu queria mesmo. É um livro que se chama O Fio da Navalha de um senhor Somerset Maugham, que é um escritor inglês antigo. Li esse livro e marcou-me muito e talvez tenha começado por aí, a escrever uns poeminhas, mas nada de muito pensado.

Manta de Retalhos – Isso com que idade?

Nuno Moura – Uns 15, 16.

Manta de Retalhos – Tinhas contexto à tua volta, o que te fazia despertar essa sensibilidade? Veio contigo e não tinhas mais ninguém à tua volta?

Nuno Moura – Se calhar, também. Sim, eu gostava de alguma solidão e de algum recolhimento e não sei… deve ter surgido, não sei como. Mas mais a sério, mais a sério, mesmo a sério foi quando fui viver sozinho. Quando saí de casa dos meus pais. Aí sim, aí foi o clic. Foi imediato e inevitável. Foi a primeira coisa que eu fiz quando cheguei a minha casa, sozinho, foi escrever. Não sei. Foi uma libertação que saiu pela escrita. Comecei a pensar nisso a sério. Quero escrever.

Foi aí que surgiu o primeiro livro, nessa minha saída de casa dos meus pais para o meu espaço. E foi quando eu tive o meu espaço, com tudo, ainda por cima era a primeira casa dos meus pais e eles, entretanto, tinham saído e eu fiquei com essa casa. Com uma casa cheia de memórias.  Eu confrontei-me com isso. Mas confrontei-me, algumas noites, com algum pavor e medo. Foi esse conjunto de coisas que me fez pegar na caneta e começar a escrever.

Manta de Retalhos – Dirias, eu diria, mas, dirias que a sensibilidade anda sempre de mãos dadas com a inquietação?

Nuno Moura – Com a inquietação, claro, e as dúvidas, as memórias.

Manta de Retalhos – A tua cabeça pára? Consegues dizer que a tua cabeça pára?

Nuno Moura – Não, não consigo dizer.  Não consigo dizer isso, não.

Manta de Retalhos –  Mas estás sempre a pensar em qualquer coisa?

Nuno Moura – Estou sempre a pensar em alguma coisa, não consigo parar. Sempre a pensar em fazer coisas, não só nos livros, mas também nas minhas coisas, na escrita, nas colagens, cuidar dos autores, os autores precisam de carinho, eu também sou autor e preciso de um carinho especial. Alguns. Então, do seu editor é óptimo. E sei isso porque o carinho do Vitor era fundamental para mim. A atenção. E não estou a falar de poesia, letras, poemas. Estou a falar mesmo de…

Manta de Retalhos – … de gestos.

Nuno Moura – … de pessoas. De contacto entre pessoas. Que é o mais importante.

Manta de Retalhos – Era isso que ia perguntar, também pelo contacto profissional que vou tendo, dirias que essa se calhar também é uma das diferenças na relação entre um autor e editor, entre uma grande editora ou mais comercial e uma editora mais atenta, digamos assim? Quais são para ti as diferenças?  As pessoas nem sempre têm noção. Estou a falar do público-leitor, que o leitor também precisa de ser bem formado e sensibilizado e acham que por vezes uma editora comercial afiança uma outra credibilidade ao seu trabalho do que uma editora mais alternativa.

Nuno Moura – Claro que sim.

Manta de Retalhos – O que achas disso? Queres esclarecer?

Nuno Moura – Há leitores que não querem saber do mercado editorial, quem são as editoras, vêem só o que está nas livrarias e nas grandes superfícies e nas Fnac’s. Um mercado muito ocupado pelas grandes editoras, onde as pequenas não têm visibilidade. Têm só visibilidade em algumas livrarias, poucas livrarias, pequenas livrarias onde o grande público não vai. O grande publico vai ao continente e não tem nada a ver. Isso são livros para vender ao quilo, não tem nada a ver com Literatura, é venda ao quilo. É como batatas. É igual. Aí não há nenhuma relação.

Agora, a relação das editoras com os autores numa grande editora… um autor também se pode sentir acarinhado, claro. A diferença é que eles têm muita gente, se calhar até têm só uma pessoa para cuidar só de um autor, um empregado. Aqui não há empregados, é a diferença. Sou eu que falo directamente, o editor fala directamente. Na Relógio D’Água não acredito que o Francisco Vale que é o editor, não sei, mas deve ter os seus autores que também são os seus amigos e, certamente, de quem cuida mais, mas isso eu também. Há muitos autores da Douda que são meus amigos mesmo, há outros que são menos amigos, são só conhecidos e eu cuido dos meus autores amigos, sim.

Manta de Retalhos – Claro, isso faz parte.

Nuno Moura – Podia não ter nenhuma relação, mas para mim é importantíssimo.

Manta de Retalhos – Faz parte dessa partilha.

Nuno Moura – Para mim é o mais importante. Não é o poema. Poemas há muitos. Poesia há muita. Amigos, não, há poucos. É preciso cuidar, cuidar disso. Essa acho que foi a maior aprendizagem com a poesia, com o mudo da edição é que os amigos é que ficam. É mesmo.

Manta de Retalhos – É a partilha, não é?

Nuno Moura – É, claro! E mesmo estas guerrinhas que há sempre, em todas as coisas, e no mundo da Literatura também há muito como no mundo da música, em tudo, teatro, mas não servem para nada. O que interessa é fazer os livrinhos e as pessoas lerem o que se anda a escrever agora. De vez em quando, sei lá, também gosto de editar um poeta em que ninguém reparou na sua altura e vou editar agora um que passou completamente despercebido, gosto de pôr alguns poetas a viver novamente, mas o que procuro mesmo são vozes novas, actuais, o que se anda a escrever agora.

Manta de Retalhos – Como caracterizas os autores da Douda Correria, entre a singularidade de cada um?

Nuno Moura – Aí é mesmo um a um. Não consigo falar assim.

Manta de Retalhos – Um ou dois exemplos, então, para que o público possa ter uma ideia?

Nuno Moura – Mas como? Tens de ser mais específica que eu não consigo caracterizar os autores da Douda.

Manta de Retalhos – Na primeira vez que estive contigo falei-te mais na simplicidade das palavras e nas palavras do dia a dia que eu acho que são muito usadas pelos teus autores e acho que isso aproxima o leitor à leitura, por exemplo, e à poesia, neste caso, mas por outro lado, também há uma irreverência, uma…

Nuno Moura – …mas aí, se calhar, a irreverência é mais minha, porque é isso que eu procuro, mas os autores, quando falo, penso nos autores da Douda, penso em cada um e depois cada um tem o seu texto, nas não os consigo caracterizar.

Manta de Retalhos – Onde é que queres levar a Douda?

Nuno Moura – A lado nenhum. Quero levá-la para o próximo livro que eu quero editar.

Manta de Retalhos – Sempre a par e passo, só?

Nuno Moura – Tenho muitos livros pensados, muitos livros que eu quero editar, mas tem de ser com calma.

Manta de Retalhos – Quando pensas nas coisas quer queres fazer, pensas no que querias encontrar ainda? Concretizas?

Nuno Moura – Concretizo. Encontro sempre alguma coisa em cada livro

Manta de Retalhos – Quando digo concretizas, quero dizer no pensamento, se concretizas em pensamento o que é que vais fazer a seguir para a Douda?

Nuno Moura – Eu sei o que vou fazer a seguir para a Douda, sei o próximo livro.

Manta de Retalhos – Por exemplo, quando pensamos neste livro…

Nuno Moura – Do João Paulo.

Manta de Retalhos – Sim, do João Paulo Esteves da Silva, Num Princípio, pensando que quiseste começar o ano (2108) com este livro…

Nuno Moura – Quis abrir o ano de 2018 com Num Princípio, uma tradução dos Génesis a partir do hebraico, do João Paulo, sim.

Manta de Retalhos – Porquê?

Nuno Moura – Era um livro que eu já queria editar há muito tempo e foi só assim, Num Princípio. Achei que era ajustado para começar o ano num princípio diferente. Não com Deus, mas com paromar, que é como ele traduz. É bonito.

Manta de Retalhos – Uma das coisas que encontro muito entre os meus alunos é a não predilecção pela poesia. Já há muito que é discutido que a poesia caiu, que não é vendável, que não é comercialmente compensadora para as editoras e, portanto, um novo autor que queira lançar-se na poesia tem sempre uma imensa dificuldade. Em ti (na Douda) não encontro isso. O que tens a dizer sobre esta problemática?

Nuno Moura – Isso é treta. Não é verdade, isso! Claro que compensa!

Manta de Retalhos – E por que é que as grandes….

Nuno Moura – Aah! Comercialmente não compensa! O que compensa para as grandes editoras é vender bastante, não é?

Manta de Retalhos – Sim, sim. O negócio delas está na distribuição.

Nuno Moura – A distribuição, pois. Isso é outra coisa, mas primeiro têm livros que são livros para pôr no supermercado. Muitos. Que é o que interessa.

Manta de Retalhos – Conforme o que esteja na moda.

Nuno Moura – Sim… depois, conseguem, algumas, arriscar um pouco mais; um tipo de livros que vende menos, mas eles arriscam. Dará algum estatuto, talvez, não sei. E, pronto, ficam-se por aí, tirando a Relógio D’Água. Mesmo a Relógio D’Água, que é uma fantástica editora, arrisca pouco. Na poesia arrisca muito pouco. A Tinta da China arrisca mais. Tem uma colecção que deve compensar. Eles vendem. Têm uma distribuição alargada, conseguem chegar a mais gente. Têm uma colecção e aquilo vende.

Depois há as pequenas editoras, que arriscam, mas também não é para fazer negócio. No caso da Douda é para recuperar o dinheiro investido e fazer outro. Portanto, não é para ganhar um salário, é para fazer uma coisa bonita. É mesmo por paixão!

A diferença é essa. Eu não tenho um escritório, a Douda não existe fisicamente. Claro que tenho despesas, tenho o meu tempo, mas não tenho empregados. Pago as paginações à Joana Pires, pago à gráfica e, de vez e quando, aos autores. Isso dá-me um certo gozo. Mesmo assim, ainda consigo dar algum dinheiro aos autores. Alguns, aos que mais precisam. Depende. Se eu ganhar algum dinheiro com as minhas coisas, sim. Como foi no ano passado (2017). Escrevi duas peças de teatro e ganhei um dinheiro extra que não estava à espera e dividi.

Manta de Retalhos – Acho fantástico isso em ti!

Nuno Moura – E o dinheiro, quando fazemos um dinheirinho a mais – há livros que vendem um bocadinho mais, em vez de venderem 100, quer dizer quando eu faço 100 exemplares; mas desses 100 se vendermos 50/60 livros é bom, porque o resto são ofertas para os autores, para o capista, para o paginador, para amigos. Na verdade, ficamos para aí com uns 60. Se conseguirmos vender esses, conseguimos fazer outro. Pagar e fazer outro, pagar e fazer outro.

Se conseguirmos ter uma pequena margem, se vendermos mais, por exemplo, há livros que já fizemos mais 100, da Margarida Vale Gato fizemos mais 200. Esse livro deu algum dinheiro que vai ser agora investido num projecto que é edição de uma coisa tipo expresso antigo, em formato grande. É bem mais caro, mas já está esse dinheiro guardado para aí, porque dinheiro vai ser mais difícil de recuperar. É como os Mia Soave que têm CD. São coisas que levam muito tempo a recuperar, mas está equilibrado.

Manta de Retalhos – Temos andado daqui para acolá e não faço questão de seguir uma linha contínua, muito direitinha, mas voltando a ti como escritor, tínhamos ficado em ti em casa dos teus pais…

Nuno Moura – E depois foi como andar, fui escrevendo sempre. Tive aquela sorte de ganhar a bolsa e conseguir estar um ano, um ano inteiro sem ter de trabalhar noutro sítio, só a escrever, escrevi muito. Esse foi o período em que escrevi mais. Foi até ao ano 2000, mas depois de 2000 a 2010, os tais 10 anos em que pouco fiz, pouco escrevi.

Manta de Retalhos – E escreves mais em poesia, não é? É essa a ideia que tenho.

Nuno Moura –  Sim, e agora estou a escrever por recortes. O Cavalo Alucinado é um livro que surgiu de um livro de recortes, de colagens e agora estou a continuar e estou a descobrir coisas incríveis. E isto é um processo. É uma coisa pensada que me está a dar um gozo incrível. De construir um texto com frases com palavras, agora estou a fazer mesmo à letra, estou mesmo a curtir isto. E estou a criar um texto, novo. Depois posso passar ou não, mas a ideia ainda não sei. Acho que vou vender isto, vou tentar. Também vem com cd que eu gravei com um amigo.

Manta de Retalhos – Vou querer um!

Nuno Moura –  Mas ainda não estou satisfeito. Acho que ainda vou inventar. Os meus pais trouxeram-me umas caixas com Lp’s. Coisas antigas. Hit Parade, coisas assim e eu ainda estou a pensar, mas se calhar vou aproveitar as capas.

Manta de Retalhos – Tens muito esse lado visual, o grafismo quase à modernismo.

Nuno Moura –  Isso não sei, mas gosto de construir as capas, o livrinho.

Manta de Retalhos – Mas esta questão dos recortes é muito modernista, não é?

Nuno Moura –  Sim, sim.

Manta de Retalhos – Sempre tiveste essa necessidade de aliar a imagem, de dar algum grafismo ou de jogar com essas várias linguagens?

Nuno Moura –  Não, não. Na escrita dos poemas, não. Nunca pensei nisso. Agora, sim. Agora, mais, mas não ligo muito à parte visual ou como fica a colagem no fim. Não.

Manta de Retalhos – Mas há comunicação, há diferença ou choque que se possa provocar?

Nuno Moura –   Sim, mas deixo isso acontecer normalmente. Se olhares para o Cavalo Alucinado, o original, aquilo são manchas de cor, só texto.

Manta de Retalhos – Então, perdoa-me, se calhar utilizei mal a palavra, que não seja uma preocupação, mas alguma naturalidade em conjugar essas duas formas.

Nuno Moura –   É natural, sim.

Manta de Retalhos – Mas acaba por ser algo que vem de ti, não tens só um, nem só dois trabalhos onde essa questão se manifesta.

Nuno Moura –   Procuro tudo, investigo tudo, gosto de investigar, gosto de policiais

Manta de Retalhos – Mesmo a própria capa dos livros da Douda, o próprio papel, a encadernação…

Nuno Moura – …isso é uma escolha prática, vais à gráfica e conforme o dinheiro que tens e o papel que há…

Manta de Retalhos – Podias fazer uma coisa menos bonita e nota-se que é um todo.

Nuno Moura –  Mas é muito básico. Tenho amigos editores que fazem coisas fantásticas em termos de edição de grafismo, coisas a sério, O Homem do saco, a Oficina do Cego, a Oficina Arara, no Porto. Eles fazem edições maravilhosas. Mas eu faço questão que tenha grafismo, não tenho nenhuma linha gráfica, mas…

Manta de Retalhos – …mas o texto começa aí.

Nuno Moura –  O texto começa na capa, sim. Sim, sim!

Manta de Retalhos – Há livros em que isso é mesmo notório.

Nuno Moura –  Por exemplo, o livro do João Paulo, o Tãmaras, o primeiro poema está no verso da capa, logo. Pumba! Começa logo assim. Sim, sim. Bem visto. O livro começa logo na capa. Olha, nunca me tinham dito isso assim dessa maneira! É verdade!

Manta de Retalhos – Sente-se muito isso nos vossos livros! Para terminar, não temos de obrigar ninguém a ler, mas de que forma podemos aproximar o leitor à poesia? Eu sei que tu fazes leituras em voz alta por aí…

Nuno Moura –   Pois, essa é uma das formas de aproximar, é com a leitura ao vivo, as pessoas ouvirem os poemas, os textos ao vivo. Isso é logo outra coisa. Isso tento fazer, sempre tentei. Gosto de ler ao vivo, incentivo o leitor ao vivo. Outra forma é os livros estarem disponíveis, chegarem às pessoas e isso é mais difícil.

Manta de Retalhos – Tens tido muitas barreiras?

Nuno Moura –   Não, eu também tenho os livros na FNAC, mas não tenho em mais nenhuma dessas grandes, Bertrand e Almedinas. Isso, não. Não casamos. Mas a FNAC, sim, conseguimos ter lá os livros. Não é um bom negócio para nós, é péssimo, porque é logo 40%, mais os 6% de IVA, depois tenho que passar factura e recibo e tenho de pagar segurança social sobre isso e pronto. Mas conseguimos estar lá e é importante para os autores, estarem na FNAC.

Manta de Retalhos – Tu, enquanto autor, és um autor que guarda tudo ou deitas fora?

Nuno Moura –   Do que eu escrevo? Deito pouca coisa fora. Ou vou deitando fora, é mais isso.  É muito parecido com isto, o meu processo de escrita. Escrevo de rajada. muito e depois ou deitando fora.

Manta de Retalhos –  Eu digo muito aos meus alunos para não deitarem fora, para irem namorando.

Nuno Moura –   E digo aos meus autores, uso uma expressão, a única que eu trouxe da publicidade que me agradou trazer, foi um publicitário que disse isto, ele dizia aos copyrigther, aos redactores cut the darlings, tira as tuas frases preferidas e engraçadas, tira isso. Eu faço esse cut the darlings, comigo faço muito ou tento, e com os autores da Douda. Às vezes é só um pormenor e muda tudo. E é esse o cuidado que tenho com eles.

Para ouvir, in Cavalo Alucinado: Lider Errado